Monday, December 25, 2006

Ideologia Natalicia...

Há duas ideias ligeiramente irritantes e contraditórias repetidas com regularidade acerca do Natal e, espanto! Nenhuma delas está relacionada com Michael Jackson.
A primeira é que o Natal é quando um homem quiser. Não é! Natal é a 25 de Dezembro. Hoje! É no dia depois da noite de Consoada, nome comum do serão de 24. A melhor prova disso é que o dia de Natal é feriado e as pessoas não gozam feriados todos os dias que querem, embora em Portugal os atestados médicos cumpram muitas vezes essa função supletiva. Em Agosto não há enfeites de Natal, em Maio não há lojas abertas até de madrugada para satisfazer os clientes tardios, em Fevereiro não há Natal dos Hospitais na televisão, em Outubro as escolas não param duas semanas, em Junho não há Sozinho em Casa a bombar. Tudo isto só acontece no Natal. E o Natal só chega uma vez por ano. Tal e qual uma frase ajuizada de José Sócrates ou uma intervenção ponderada de Morais Sarmento. Não é quando se quer. É quando está marcado no calendário.
O segundo lugar comum, decorrente do primeiro, é que no Natal todos devemos ser simpáticos e a favor da paz no mundo. Na época natalícia temos obrigação de ser bons, não por causa do imperativo kantiano mas por imposição da página do calendário da Face Models. O Natal partilha essa característica com o Carnaval, altura em que o povo exige a todos uma alegria e um sentido de humor completamente ausentes da sua relação com o mundo durante os restantes 362 dias do ano. Pelo contrário, qualquer sinal de diversão e alegria fora das datas formatadas e permitidas pelos guardiões do calendário são sinónimo de idiotice, irresponsabilidade ou falta de respeito ? quando não as três em simultâneo. Da época natalícia espera-se que torne as pessoas em seres humanos pelo menos durante uma ou duas semanas. É isto que me confunde. O apelo unissemanal à bondade. E questiono também a propriedade da escolha desta altura do ano para fomentar o espírito de fraternidade. Uma semana de Julho, com calor e sol até à hora de jantar seria muito mais proveitosa para fazer e promover o Bem. E o facto de muitos estarem de férias na praia dava um jeito enorme para não perder tanto tempo nas compras. Mas mesmo sendo em Dezembro, podíamos ser um bocadinho mais modestos nas expectativas criadas. Em vez de esperar pelo Natal para a salvação da Humanidade, já não seria mau se os Pólo Norte cantassem pelo menos uma canção decente.
Apesar de profusamente repetidos por todos os apresentadores das manhãs da televisão, estes dois monumentos do raciocínio são contraditórios. Se o Natal fosse quando um homem quisesse, não havia necessidade de suplicar ao bom povo sentimentos de esperança e caridade para esta altura. Bastava um tipo exclamar "Hoje é Natal!" e todos os outros ficavam obrigados a ter pena dos pobres de espírito e a ver reportagens da RTP sobre o jantar de bacalhau cozido dos sem-abrigo.
Finalmente, um parágrafo para o costume de dar prendas, hoje tão banal como um par de mamas na TVI. Os presentes trocados no Natal são representação simbólica das lembranças que os três Reis Magos trouxeram quando vieram ver o Menino acabado de nascer. Curiosa concepção de simbologia esta em que ouro, incenso e mirra são substituídas por uma Playstation, um cheque-disco ou três pares de peúgas brancas. O pânico do erro e do desvio leva mesmo as pessoas a combinarem: "Não compres o disco da Rute Marlene que eu ofereço-to." Tá bem. "Então eu compro o livro da Paula Bobone pa te dar." A solução óbvia de comprar cada um aquilo que deseja (ou, neste exemplo concreto, de gastar o dinheiro em cd`s ou livros verdadeiros) torna-se, por esta altura, uma ideia que transcende a compreensão humana. Esta incapacidade sazonal deve-se à fragilidade dos neurónios, fustigados por horas e horas de programação televisiva com Manuel Luís Goucha (entre outros), alternativas únicas ao frio e à chuva do maldito do Inverno.

2 comments:

Anonymous said...

Preguiçoso!!!!

RBE said...

Belo elogio Just_Me Lolol
Obrigado e uma beijoka!
;0)